sábado, 12 de novembro de 2011

Família Carvalho mantém o hábito do Brasil Colônia com engenho movido a tração animal


Em São José, distrito de Solonópole, no Sertão Central, uma tradicional família do lugarejo mantém o hábito do Brasil Colonial na produção de rapadura, mel, batida e alfinim, derivados da cana-de-açúcar. No engenho os Carvalhos, a moenda ainda é tracionada a bois. Desde 1999 que a energia elétrica chegou à comunidade, mas a tradição vem sendo mantida. Hoje quem toca o engenho para frente são os bisnetos do agricultor Raimundo Leandro, patriarca da família.

A produção chega aos 86 anos de atividades e desde quando foi iniciada de forma manual, tudo é artesanal. No período de moagem, a família se reúne, parentes e amigos faz do trabalho uma grande diversão. O resultado são doces de encher os olhos, no único engenho movido a tração animal em atividade constante no Ceará. Os trabalhos começam antes de o sol nascer. Por volta de uma hora da manhã, começa a moagem da cana-de-açúcar, ao som do aboio o gado gira a moenda. Por um sistema de encanação, a garapa cai num pequeno tanque de alvenaria. É nesse ritmo entre um dedo de prosa e outro que a tradição é mantida no engenho da família Carvalho, no sítio São José, em Solonópole, no Sertão Central.

A atividade faz parte da rotina da família há 86 anos e ninguém ali pensa em parar. Esse engenho novo foi construído há 2 anos no sítio da família, mas a 4 quilômetros do distrito de São José. O antigo engenho se mantém firme e forte na fazenda Veneza. A cana-de-açúcar é cultivada em uma área de um hectare no próprio sítio. No trabalho há o envolvimento de todos. Segundo o agricultor Erasmo Carvalho, ele e seus irmãos cresceram nesse ritmo. Hoje são pais de família, e além do trabalho diário, cada um com seus afazeres, buscam manter com todo prazer a tradição herdada dos antepassados. Por isso a ideia foi trazer mais para perto de casa o moenda. “Há cerca de 86 anos, meu avô já tinha moagem, que já tinha sido do meu bisavô. Todos os anos a gente fez moagem. A gente vem mantendo essa tradição. A família toda gosta desse movimento. A gente faz só pelo prazer de manter a tradição, porque é muito tempo que tem a gente não quer deixar cair a tradição porque é muito importante. A gente era criança já gostava desse movimento e a gente vem fazendo até hoje”, relembrou Erasmo Carvalho.

Erasmo ressalta dizendo que as moagens tiveram início na fazenda Veneza. “Já faz dois anos que a gente faz aqui. A gente vai arrumando, organizando porque a coisa é bem devagar, mas tudo no tradicional na coisa antiga, porque faz sentido pra gente dessa forma é mais animado desse jeito”, disse.

O aposentado Ivaneudo Coelho pela primeira vez foi conhecer o novo engenho. Segundo ele, traz boas recordações nos tempos de criança, nas épocas de moagem da cana-de-açúcar na fazenda Veneza. “Eu nasci dentro disso aí pode se dizer. Foi nosso bisavô, depois passou pro meu avô, foi rolando e rola até hoje, tão bem tocado pelos meninos. Eu me sinto uma criança aqui hoje. Eu me levantava da rede, corria de madrugada pra ver a boiada girando e o cabra aboiando. Nós também ajudávamos e ainda hoje é como antigamente, tudo artesanal, tudo natural, e o produto é de qualidade”, afirmou.

Quem também viveu os grandes tempos dos engenhos e acha bonito a produção de hoje é seu Manoel Domingos Lima, hoje aposentado. Ele vem só ‘curiar’, como ele chama a brincadeira dos meninos. Seu Manoel Lima relembra que antigamente logo cedo já tinha carga com mais de 400 rapaduras no ponto de venda. Hoje seus filhos fazem a produção para manter a tradição. “É bom porque eles têm gosto, e continua a coisa de origem. Essa história começou lá na Veneza, meu sogro tinha umas moagens grande lá e já faz um horror de ano que a gente mói todos os anos, e vem de lá pra cá, ainda hoje tem o engenho lá. Eles têm gosto demais. Acham bom. Eu tenho orgulho disso. Enquanto a cana vai sendo prensada, o fogo aceso, os tachos começam a receber a garapa, momento em que todo mundo quer ajudar. Moagem boa é assim com muita gente. Mas é o mestre de engenho que dá as ordens e verifica se está tudo no ponto certo. Porque a produção não pode ser perdida. É nesse ritmo que a moagem dura a amanhã inteira e entra pela tarde. São mais de 12 horas para conclusão de todo o processo. O ritmo puxado. Durante uma dia inteiro de serviço são feitas as trocas da dupla de gado. O processo da produção de rapadura é trabalhoso e demorado”.


Tradição

Mas no engenho dos Carvalho o que vale é manter a tradição, filhos, netos e até bisneto todos contribuem com a produção. Desde 1999 que o distrito recebeu energia elétrica, mas eles, segundo Erasmo, vão continuar preservando um pouco da história da colonização brasileira, quando os engenhos eram movidos a escravos e posteriormente a bois. “A energia a gente vai fazer só pra fazer uns melhoramentos aqui, pra fazer umas plantações, umas irrigações, mas o ideal aqui é o boi, a tração animal, que é pra poder ficar sempre no tradicional. Quando a gente está com vontade, reúne a família, aqui é tudo família. Os filhos, sobrinhos já tomam gosto pela coisa”, complementou.

Nesse clima de muito trabalho e descontração, no final do dia a pequena produção chega em média a 50 rapaduras. O produto é para o consumo da família, outra parte é destinada a venda no comércio da própria localidade. “A produção é pouca porque o movimento é devagar. Então não pode ter muita produção. Se a gente for fazer pensando no lucro, está errado, porque isso aqui é só pra manter a tradição. Tudo na moda antiga como fala o ditado”, finalizou.


Wandenberg Belém

Jornal A Praça

Um comentário:

  1. queria mais fotos.. sobre a moenda e a tração animal.. obg me ajudou um pouco

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