sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Cordel: História do Boi Leitão ou O Vaqueiro que não mentia

Autor: Francisco Firmino de Paula



Numa cidade distante

Há muito tempo existiu

Um distinto fazendeiro

O mais rico que se viu

E tinha um jovem vaqueiro

Homem que nunca mentiu.



Também esse fazendeiro

Muitas lojas possuía

Tinha muitos empregados

Porém ele garantia

Que só aquele vaqueiro

Era sério e não mentia.



Seus amigos em palestra

Exclamavam admirados

Porque é que entre tantos

Homens nobres empregados

Somente um rude vaqueiro

É quem não causa cuidados?



Respondia o fazendeiro

— Tudo é nobre e decente,

Porém, capaz de mentir,

Digo conscientemente,

Mas Dorgival meu vaqueiro

Por forma nenhuma mente.



O conheço há muitos anos

E nunca vi ele mentir

É rude por ser vaqueiro

Mas sabe entrar e sair

Se faz uma causa errada

Nunca procura fingir.



Juntaram-se dez amigos

E mandaram o fazendeiro

Inventar uma cilada

Pra Dorgival o vaqueiro

Cair na falta, por verem

Se ele era verdadeiro.



Disse o doutor aos amigos

Nós temos que apostar

Dará vinte contos cada

Se o que diga aprovar

Perderei duzentos contos

Se a meu vaqueiro falhar.



Eu mandarei minha filha

A Dorgival seduzir

E fazer todo o possível

Dele na laço cair,

E depois veremos ele

Falar verdade ou mentir.



Concordaram e a aposta

Fecharam rapidamente

Dizendo: esperaremos

O dia conveniente

E provaremos doutor

Que o seu vaqueiro mente.



O vaqueiro Dorgival

Morava um pouco afastado

Em uma grande fazenda

Aonde era encarregado

Ali existia um boi

Do patrão muito estimado.



O vaqueiro também tinha

Ao boi estimação

Pois era um touro bonito

O orgulho do patrão

Era da raça gigante

Lhe chamavam o "boi Leitão".



Toda vez que o vaqueiro

O seu patrão visitava

Logo depois de saudá-lo

O doutor lhe perguntava

Pelo gado e em seguida

O boi Leitão coma estava?



O vaqueiro respondia

Nosso gado vai feliz

E o nosso boi Leitão?

— É gordo e bom de raiz

Dizia o patrão, você

Somente a verdade diz.



De formas que o patrão tinha

Muita confiança nele

O moço lá na fazenda

Cumprindo os deveres dele

Não sabia que os ricos

Estavam mexendo com ele.



Na referida fazenda

Quem quisesse ali chegar

Vindo da cidade, havia

De um rio atravessar

Tinha ali uma jangada

Pra quem quisesse passar.



O doutor chamou a filha

Disse: vá com a criada

Amanhã logo cedinho

Na fazenda da jangada

Do vaqueiro Dorgival

Se faça de namorada.



Vá lindamente vestida

Com lindos trajes vermelhos

No rio próximo à fazenda

Preste atenção meus conselhos

Vá passear e levante

A roupa até aos joelhos.



Se o vaqueiro lhe chamar

Diga: mate a boi Leitão

E tire ligeiramente

O fígado e o coração

Mande fazer um cozido

Pra comermos um pirão.



A moça chegou no rio

Pôs-se ali a passear

Com as vestes aos joelhos

Alegremente a cantar

O vaqueiro ouvindo a voz

Veio fora observar.



Dorgival vendo a donzela

Disse rindo: oh! minha santa

Me alegro em ver e ouvir

Quem assim tão linda canta

Venha pra lado de cá

Longe assim não adianta.



Respondeu ela: eu irei

Se matar o boi Leitão

E tirar ligeiramente

O fígado e o coração

Mandar fazer um cozido

Pra comermos com pirão.



O vaqueiro francamente

Deu resposta imediata

Donzela você merece

Por ser gentil e exata

Mas lhe digo: o boi

Leitão



Do meu senhor não se mata.
Disse a moça: tem razão

E saiu no mesmo instante

O rapaz ficou olhando

Aquele porte elegante

Pensando naquelas pernas

De beleza fascinante.


O vaqueiro não sabia

Que aquela moça bela

Era filha de seu amo

Pois não conhecia ela

Quase não dormiu a noite

Com o pensamento nela.


Deolinda ao chegar

Em casa contou ao pai

A resposta do vaqueiro

Disse o doutor: você vai

Amanhã e o seduza

Pra ver se ele cai.


Amanhã você levante

Até as coxas o vestido

Se ele chamar, você diga

Vou se fizer meu pedido

De matar o boi Leitão

Pra comermos um cozido.


A moça no próximo dia

Lá na fazenda chegou

Na beira do rio, a roupa

Té as coxas levantou

E se pôs a passear

Dorgival vendo-a chamou.


Meu anjo venha pra cá

— Só vou se matar o boi

— Não, assim é impossível

Minha santa me perdoe

— Tem razão respondeu ela

Rapidamente se foi.


O pai lhe disse amanhã

Termine a sua aventura

Vá passear e levante

A roupa até a cintura

E mande-o matar o boi

Que ele não se segura.


A moça disse: meu pai

Desse jeito é imoral

Disse o doutor: pode ir

Que não lhe "sucede" mal

Eu sei o que estou fazendo

E confio em Dorgival.


Ela foi no outro dia

E ficou lá passeando,

Com a roupa até na cinta

Dorgival foi lhe avistando

Gritou: moça venha cá

Você está me aperriando.


Deolinda disse: eu vou

Se matar o boi Leitão

Do coração e do fígado

Fazer para nós um pirão

O vaqueiro disse: venha

Hoje eu mato até o cão.


Dorgival rapidamente

Botou no rio a jangada

Chegando do outro lado

Trouxe a moça e a criada

Matou logo o boi Leitão

Para fazer a mesada.


Fez a carne toda em manta

Pegou o couro espichou

O coração e o fígado

A criada preparou

Fez o pirão e depois

Com prazer tudo almoçou.


Deolinda com o vaqueiro

Ali o dia passou

Palestrando e a tardinha

Ele a donzela abraçou

E ela com a criada

Pra cidade regressou.


Chegando informou ao pai

Tudo que tinha se dado

Contou que pelo vaqueiro

Havia se apaixonado

Disse o pai: ele é solteiro

Vamos ver o resultado.


No outro dia o vaqueiro

Amanheceu pensativo

E disse: meu amo pensa

Que o boi Leitão está vivo

Mas vou lhe dizer que não,

Gosto de ser positivo.


Ali botou um chapéu

Na cabeça do mourão

Se afastando montou-se

Em um cavalo cardão

Pôs-se a dirigir ao pau

Como se fosse ao patrão.


FIM

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